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Banco Master: o que vai acontecer agora?

O Banco Central do Brasil (“BACEN”) decretou ontem, 18 de novembro de 2025, a liquidação extrajudicial do Banco Master e, em paralelo, de sua corretora (Master S.A. Corretora de Câmbio, Títulos e Valores Mobiliários). Esta medida de regime de resolução, adotada quando se constata a irrecuperabilidade da instituição ou graves infrações regulatórias, culminou no encerramento das atividades e na interrupção imediata da negociação de venda à holding Fictor, anunciada recentemente.

Simultaneamente, a Polícia Federal realizou a prisão de Daniel Vorcaro, proprietário do Banco Master, sob suspeita de crimes financeiros, como gestão fraudulenta, gestão temerária e organização criminosa, havendo indícios de que ele tentava se evadir do país. O BACEN também decretou a indisponibilidade de bens dos controladores e ex-administradores do grupo, nomeando um liquidante para a administração do passivo e ativo.

A pergunta que fica é: o que vai acontecer agora com as pessoas que mantinham relacionamento com o Banco Master e outras empresas do grupo?

1. O Processo de Liquidação Extrajudicial de Instituições Financeiras (Lei Nº 6.024/74)

Primeiramente, é preciso saber o que vai ocorrer em decorrência do processo de liquidação.

A Lei nº 6.024, de 13 de março de 1974, disciplina a Intervenção e a Liquidação Extrajudicial de instituições financeiras privadas e públicas não federais, bem como cooperativas de crédito. O processo de Liquidação Extrajudicial é um regime especial conduzido pelo BACEN com o objetivo de realizar o ativo e liquidar o passivo da entidade, em alternativa (mas semelhante) à falência.

1.1. Motivos e Termo Legal

O BACEN pode decretar a Liquidação Extrajudicial de ofício por razões que comprometam a situação econômico-financeira da instituição, como a falta de pontualidade no cumprimento de compromissos ou a caracterização de motivos que autorizariam a falência. Outros motivos incluem a violação grave de normas legais/estatutárias e determinações do Conselho Monetário Nacional ou do BACEN, a ocorrência de prejuízo que submeta credores quirografários a risco anormal, ou a inércia da instituição em iniciar ou conduzir sua liquidação ordinária após ter a autorização de funcionamento cassada. A medida também pode ser decretada a requerimento dos administradores (se o estatuto permitir) ou por proposta do interventor.

O ato do BACEN que decreta a Liquidação Extrajudicial deve indicar a data em que o estado que a determinou se caracterizou, fixando o termo legal da liquidação, que não pode ser superior a 60 dias antes do primeiro protesto por falta de pagamento ou do ato de decretação da intervenção/liquidação.

1.2. O Liquidante e os Efeitos da Medida

A liquidação é executada por um liquidante nomeado pelo BACEN, o qual possui amplos poderes de administração e liquidação, incluindo a verificação e classificação de créditos, nomeação/demissão de funcionários, e representação da massa. Em todos os atos, documentos e publicações, a entidade deverá usar a expressão “em liquidação extrajudicial”.

A decretação da liquidação extrajudicial produz efeitos imediatos importantes como (i) a suspensão das ações e execuções relativas ao acervo da entidade; (ii) o vencimento antecipado das obrigações da liquidanda; (iii) a não fluência de juros contra a massa até o pagamento integral do passivo; (iv) a interrupção da prescrição relativa às obrigações da instituição; e (v) o não atendimento de cláusulas penais de contratos unilaterais.

1.3. Processo de Habilitação e Encerramento

Após a determinação de prosseguimento da liquidação, o liquidante publica um aviso para que os credores declarem seus créditos, com prazo de vinte a quarenta dias. Após a análise dos créditos e eventual recurso ao BACEN, o liquidante organiza e publica o quadro geral de credores. Julgadas as impugnações e considerado definitivo o quadro, os credores prejudicados podem prosseguir com ações judiciais suspensas, mediante reserva de fundos.

O encerramento da liquidação extrajudicial pode ocorrer por decisão do BACEN em diversas hipóteses, incluindo o pagamento integral dos credores quirografários, exaustão do ativo ou convolação em liquidação ordinária. Também se encerra pela decretação de falência. Com o encerramento, o prazo prescricional das obrigações volta a correr.

Finalmente, a indisponibilidade de bens dos administradores e conselheiros fiscais é uma medida cautelar que acompanha a liquidação, sendo levantada se o inquérito conduzido pelo BACEN concluir pela inexistência de prejuízo.

2. O Fundo Garantidor de Crédito (“FGC”)

No contexto de um processo de liquidação extrajudicial, também é importante entender o papel do FGC.

O FGC é uma associação privada e sem fins lucrativos, integrante do Sistema Financeiro Nacional (SFN), cuja missão principal é ampliar a confiança dos depositantes e investidores no sistema e contribuir para a manutenção de sua estabilidade. O FGC atua como um mecanismo de proteção, crucial na prevenção de crises bancárias sistêmicas e na proteção do pequeno e médio investidor. É mantido pelas contribuições mensais obrigatórias de instituições financeiras associadas, calculadas como um percentual sobre o total de seus instrumentos financeiros garantidos.

2.1. Mecanismos de Atuação

O FGC opera através de dois pilares principais. O primeiro é o de Administração da Garantia. Ele consiste no pagamento de garantias quando o BACEN decreta a intervenção ou liquidação extrajudicial de uma instituição associada (como no caso do Banco Master). O objetivo é assegurar o acesso dos credores aos seus recursos, minimizando o risco de “corridas bancárias”.

O segundo é o de Operações de Assistência, através do qual o FGC também pode realizar operações de assistência de liquidez ou estrutural junto às associadas em situações pontuais. Estas operações visam dar suporte em restrições temporárias de liquidez ou apoiar reestruturações patrimoniais, sendo implementadas quando o custo social da liquidação de uma instituição supera o custo de sua assistência.

2.2 Tipos e Limites de Garantia

O FGC oferece duas modalidades de proteção:

2.2.1 Garantia Ordinária

O sistema de garantia ordinária do FGC tem as seguintes características:

  • Limite: cobre o valor de até R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) por depositante/investidor (CPF ou CNPJ) contra a mesma instituição financeira ou conglomerado financeiro.
  • Limite Global: há um teto adicional de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) por CPF/CNPJ para os pagamentos de garantia realizados em um período de quatro anos, sendo este limite controlado por CPF/CNPJ.
  • Produtos Garantidos: inclui depósitos à vista (conta corrente), depósitos de poupança, CDBs, RDBs, Letras de Câmbio (LCs), Letras Hipotecárias (LHs), Letras de Crédito Imobiliário (LCIs), Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), e Letras de Crédito do Desenvolvimento (LCDs). O saldo coberto inclui o principal investido mais os rendimentos até a data da decretação do regime especial, respeitado o limite.
  • Contas Conjuntas: o valor máximo de R$ 250.000,00 por conta conjunta é dividido em partes iguais entre os titulares, sendo o montante resultante somado aos demais créditos individuais de cada titular na mesma instituição ou conglomerado, limitado ao máximo de R$ 250.000,00 por CPF.

2.2.2. Garantia Especial (DPGE)

Além das garantias mencionadas acima, o FGC cobre o Depósito a Prazo com Garantia Especial (DPGE). O limite específico é de até R$ 40.000.000,00 (quarenta milhões de reais) por titular (CPF/CNPJ) e conglomerado financeiro, mas esta modalidade não admite conta conjunta.

2.3. Processo de Pagamento

O direito à garantia surge na data em que o BACEN decreta a Intervenção ou Liquidação da instituição financeira. O liquidante da instituição envia a relação de credores ao FGC, que, desde 2020, realiza o pagamento da garantia aos credores Pessoas Físicas (PF) via aplicativo FGC, permitindo a solicitação online. Após a solicitação e assinatura do termo de cessão de crédito no aplicativo, o credor PF pode receber o valor em até dois dias úteis em conta bancária de sua titularidade. Pessoas Jurídicas e credores DPGE solicitam a garantia por meio de formulário e termo físico.

Caso qualquer cliente, depois do pagamento feito pelo FGC, ainda tenha um saldo a receber, ele deverá inscrever seu crédito e participar do processo de Liquidação Extrajudicial descrito acima.

3. Responsabilidades Associadas à Liquidação do Banco Master e Suas Causas

Sempre que eventos como a liquidação do Banco Master ocorrem, surgem discussões sobre a possível responsabilidade dos diversos agentes de mercado envolvidos nas operações em que a entidade diretamente afetada atuava. É o caso, por exemplo, de intermediários que tenham participado de emissão de títulos de sua emissão, gestores de fundos ou dirigentes de outras entidades (como fundos de pensão) que tenham investido em seus papéis, empresas de auditoria etc.

Na prática, então, diferentes agentes estão sujeitos a ter a sua responsabilidade apreciada, no contexto da liquidação do Banco Master. Essas discussões podem ter lugar na esfera administrativa (perante o BACEN, a Comissão de Valores Mobiliários ou outros órgãos, como Tribunais de Contas), na esfera cível (perante o Poder Judiciário ou, em alguns casos, em tribunais arbitrais) e, até mesmo, na esfera criminal.

A responsabilização em qualquer daquelas esferas, como regra, não ocorre de maneira objetiva. Isso significa que, para um agente ser responsabilizado, não basta, por exemplo, que ele tenha distribuído títulos do Banco Master. Afinal, cada agente possui funções próprias e nem todos possuem o dever de supervisionar as operações dos emissores – dever esse que, quando existente, pode se manifestar em diferentes camadas. Entretanto, as discussões sobre responsabilidade podem ocorrer perante autoridades diversas, muitas das quais não são familiarizadas com questões mais técnicas do mercado financeiro. Dessa forma, é recomendável que os agentes direta ou indiretamente expostos à crise do Banco Master estejam preparados para enfrentar aquelas discussões de maneira técnica e estratégica.

O Informe foi produzido pelo sócio Roberto Vianna Barros, da área de Bancário & Financiamento, e pelo sócio Lucas Hermeto, da área de Contencioso & Arbitragem.