Receita Federal publica Instrução Normativa para regulamentar a Lei nº 14.754/24, que dispõe sobre a tributação de ativos no exterior
Em 13 de março 2024, foi publicada a tão aguardada Instrução Normativa nº 2.180/24 (“IN”), por meio da qual a Receita Federal do Brasil disciplina e regulamenta a tributação de aplicações financeiras, trusts e entidades controladas no exterior (as “Offshores”).
A nova regulamentação traz alterações importantes que deverão ser aplicadas já na elaboração da Declaração de Imposto de Renda a ser entregue esse ano. Por esse motivo, recomendamos àqueles que possuam ativos no exterior verificar detalhadamente os novos procedimentos.
Além disso, existem decisões relevantes a serem tomadas, notadamente sobre:
- o regime a ser aplicado às Offshores (opaco ou transparente); e
- a conveniência de atualizar o valor de bens no exterior mediante antecipação do imposto sobre o ganho a uma alíquota reduzida de 8%.
- Regime opaco
O lucro da offshore apurado em 31 de dezembro de cada ano deverá ser oferecido à tributação no Brasil, independentemente da realização de ativos ou distribuição de dividendos pela Offshore. Uma das providências a serem tomadas é a elaboração de um balanço.
Importante destacar que o lucro apurado até 31 de dezembro 2023 não está sujeito à tributação até que seja distribuído. Para aplicar esse tratamento, no entanto, o lucro acumulado precisa ser devidamente destacado no balanço e reportado na Declaração de Imposto de Renda.
- Regime transparente
A Offshore é desconsiderada para fins fiscais, devendo o contribuinte informar no seu imposto de renda os ativos detidos pela Offshore e tributá-los apenas quando realizar algum ganho ou receber algum rendimento (como dividendos, juros, cupons).
A opção pelo regime opaco ou transparente não pode ser alterada. Por esse motivo é importante avaliar neste momento adequadamente as vantagens e desvantagens de cada uma de acordo com o perfil do investidor, bem como se seria conveniente algum tipo de reestruturação.
Com relação à possibilidade de atualizar o valor dos bens no exterior, um aspecto importante a ser levado em consideração é que a variação cambial sobre ativos adquiridos originariamente em moeda estrangeira não será tributada em caso de reavaliação.
Caso não se opte pela reavaliação, essa vantagem será perdida, pois a variação cambial passará a ser tributada a partir de 2024.
Vale destacar que alguns pontos da Lei nº 14.754/24 são questionáveis e passíveis de discussão judicial (como a tributação da variação cambial, em especial anterior a 2024, e o próprio regime de tributação do lucro das Offshores).
Destacamos abaixo alguns pontos abordados pela IN:
- não está sujeita a tributação a variação cambial decorrente de depósito em conta corrente não remunerada no exterior e mantida em instituição financeira reconhecida e autorizada a funcionar;
- os ativos virtuais e os arranjos financeiros com ativos virtuais serão considerados aplicações financeiras para fins de enquadramento nas disposições da Lei nº 14.754/2024, e poderão ser considerados ativos no exterior caso sejam uma representação digital de um bem no exterior (como ativos tokenizados) ou forem custodiados ou negociados por instituições localizadas no exterior;
- também serão consideradas aplicações financeiras, para fins de enquadramento nas disposições da Lei nº 14.754/2024, as apólices de seguro no exterior, cujo principal ou cujos rendimentos sejam resgatáveis, de forma conjunta ou separada, pelo seu titular ou beneficiários. Quando for permitido ao investidor definir ou influenciar a estratégia de investimento, a apólice será considerada uma entidade controlada (Offshore);
- ganho de capital na alienação, baixa ou liquidação de bens no exterior que não sejam aplicações financeiras e sobre moeda estrangeira mantida em espécie será tributado mediante a aplicação das alíquotas progressivas do IRPF de 15% a 22,5%, conforme a parcela de ganhos;
- além dos padrões contábeis a serem observados na elaboração do balanço das controladas (diretas ou indiretas) no exterior, o documento deverá ser assinado por contabilistas legalmente habilitados ao IFRS (International Financial Reporting Standards – padrão contábil internacional) ou ao BR GAAP (padrão contábil brasileiro), a depender do padrão adotado. Tais balanços deverão destacar os lucros acumulados em conta específica de reserva de lucros, inclusive no caso de controlada direta em relação à indireta;
- caso a pessoa física opte por declarar a entidade controlada no exterior pelo regime da transparência fiscal (i.e. ativos subjacentes, como se fossem detidos diretamente), o imposto sobre a renda que for pago no exterior em nome da entidade controlada poderá ser deduzido do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) no Brasil, desde que respeitados os demais requisitos gerais da legislação, dentre eles:
- estiver prevista a compensação em acordo ou tratado firmado com o país de origem dos rendimentos ou houver reciprocidade de tratamento; e
- o imposto não seja passível de reembolso, restituição, ressarcimento ou compensação, sob qualquer forma, no exterior.
- o imposto pago no exterior não deduzido no ano-calendário não poderá ser deduzido do IRPF devido em anos-calendário posteriores ou anteriores;
- o imposto pago no exterior sobre os rendimentos de aplicações financeiras e/ou lucros e dividendos de entidades controladas não poderá ser deduzido do IRPF devido no Brasil sobre os demais rendimentos e ganho de capital auferidos;
- os lucros das controladas no exterior sujeitos à tributação automática anual serão
- declarados como rendimentos tributáveis na DAA; e
- incluídos na ficha de Bens e Direitos da DAA como custo de aquisição de crédito de dividendo a receber da controlada (com a indicação de qual delas, caso haja mais de uma, direta ou indireta e do ano de origem). Caso haja distribuição de dividendos baseados em lucros previamente tributados entre controladas sujeitas à tributação automática anual, o contribuinte deverá transferir o crédito do dividendo a receber de uma controlada para a outra na DAA.
- lucro de controladas indiretas sujeitas ao regime de transparência deve ser excluído do resultado da controlada direta, ele não se aplica a coligadas ou controladas que não estejam no regime de transparência;
- as pessoas físicas residentes no País que, mesmo não se enquadrando na Lei nº 14.754/2024, optem por tributar os seus lucros de forma automática anual, também poderão optar pelo regime de transparência fiscal previsto na legislação;
- o contribuinte que optar pelo regime de transparência fiscal deve indicar esta decisão na DAA a ser entregue este ano, para produzir efeitos a partir de 1 de janeiro 2024 e substituir, na ficha de bens e direitos, a participação na entidade controlada pelos ativos a ela subjacentes, considerada a proporção do valor de cada bem ou direito em relação ao valor total do ativo da entidade, em 31 de dezembro 2023. A IN descreve uma fórmula que deverá ser considerada para fins de verificação do custo a ser declarado para os ativos subjacentes, de modo que o somatório de tais custos não seja superior ao custo de aquisição original declarado na participação na referida entidade controlada;
- a possibilidade acima também é aplicada nos casos de aquisição de participações em entidades controladas no exterior em razão de sucessão, inclusive nos casos de herança, legado ou por doação, devendo sempre manter o custo de aquisição que era originalmente declarado pelo sucedido;
- a opção pelo regime de transparência fiscal para entidades controladas que tenham sido adquiridas a partir de 1 de janeiro de 2024, não poderá ser exercida após a Declaração de Ajuste Anual (DAA) relativa ao ano-calendário em que houve a aquisição (e.g. se a aquisição ocorreu em 2024, o prazo limite para exercer a opção em questão será quando da entrega da DAA no exercício de 2025);
- a opção pela atualização do valor dos ativos para a data-base de 31 de dezembro de 2023 (valor de mercado), com a tributação da diferença para o custo de aquisição à uma alíquota reduzida de 8%, será realizada por meio da apresentação de uma obrigação acessória adicional, qual seja, a Declaração de Opção pela Atualização de Bens e Direitos no Exterior (Abex) (além da necessidade de informação em conjunto ou em separado para cada bem ou direito no exterior na DAA deste ano);
- na hipótese de bens e/ou direitos no exterior possuídos em condomínio/com mais de uma titularidade/integrantes de uma mesma entidade familiar, cada condômino/titular/membro da família deverá apresentar uma Abex em relação à sua parte. Na impossibilidade de identificação do valor atribuído a cada titular de uma conta corrente detida em conjunto, por exemplo, o valor será distribuído igualmente entre os titulares;
- não podem ser objeto de atualização bens e direitos localizados no Brasil;
- o imposto apurado na Abex deverá ser pago até 31 de maio de 2024, quando se encerra o prazo para entrega da DAA deste ano. Não haverá a possibilidade de aplicação de quaisquer deduções, percentuais, fatores de redução, dentre outros, em relação à base de cálculo do imposto apurado na Abex.
O informe foi produzido pelo sócio Michel Siqueira Batista e pela associada Giovanna Milana.
Michel, Giovanna e a equipe de Planejamento Patrimonial & Sucessório estão à disposição em caso de dúvidas.