A força maior no contexto da Covid-19
Diferentemente do que ocorre em outros países do mundo, no Brasil a força maior possui previsão legal, precisamente no artigo 393 do Código Civil. De maneira muito resumida, relativamente aos contratos privados, ela pode se constituir em causa excludente de responsabilidade caso o contrato celebrado entre as partes não contenha previsão em sentido contrário.
O ordenamento ainda contém a previsão, agora nos artigos 478 e 479, no sentido de que esses fatos imprevisíveis e extraordinários podem levar à rescisão de uma avença ou, alternativamente, na revisão das obrigações de modo a torná-las equitativas com a realidade imposta pelos referidos fatos.
Nesse contexto, duas observações nos parecem relevantes. A primeira é a que decorre do texto expresso da lei, isto é, que a força maior somente se configura se não for mesmo possível impedir os seus efeitos, e se, claro, não houver contribuição para que tenha ocorrido agravamento do risco ou mesmo das consequências.
Portanto, muito embora o evento da Covid-19 possa, em tese, ser considerado como força maior diante das consequências imprevisíveis decorrentes de uma pandemia, somente a análise das circunstâncias do caso concreto podem efetivamente autorizar ou não a utilização do evento como excludente de responsabilidade ou mesmo causa de rescisão ou reequilíbrio contratual.
No âmbito do Direito Administrativo, os eventos imprevisíveis também foram expressamente previstos na legislação como causa de revisão de contratos administrativos. Todavia, indo além da previsão da legislação civil, o artigo 65, inciso II, alínea ‘d’, da Lei nº 8.666/93 englobou também como causa os eventos previsíveis, mas de consequências incalculáveis. Em ambos os casos, de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, entendeu-se estar verificada o que se comumente se chama de álea extraordinária.
Aqui, o que soa mais relevante é o momento da verificação do fato. Ele precisa, necessariamente, ser posterior à apresentação da proposta à Administração Pública, uma vez que, se o evento já era de conhecimento do particular, ficará bem mais difícil a prova de que ele não detinha meios de mensurar seus efeitos. Sendo anterior, ele não poderá ser de conhecimento do particular.
De todo modo, ainda que a previsão da legislação administrativa seja mais abrangente do que a da legislação civil, a incidência ou não do dispositivo legal pertinente somente poderá ser decidida com a análise, caso a caso, das situações fáticas que envolvem cada uma das contratações, posto que submetidas à regras contratuais diversas e a conhecimentos técnicos igualmente diferentes.