Covid-19 (“Coronavírus”): Aspectos contratuais relevantes
O recente surto de coronavírus e sua rápida evolução de uma doença local à uma ameaça global tem impactado as relações comerciais ao redor do mundo. Além das repercussões no mercado de trabalho, a disseminação da doença afeta o transporte internacional de mercadorias e pessoas e é responsável pela desaceleração industrial, levando a redução na demanda energética e pressionando para baixo o preço de commodities como cobre, minério de ferro, carvão, petróleo e GNL.
Nesse contexto, muitas empresas demonstram preocupação com as implicações do surto de coronavírus nas obrigações contratuais. Embora a exposição ao risco varie conforme a redação de cada contrato, devendo sempre ser avaliada caso a caso, destacaremos a seguir os aspectos mais relevantes e disposições legais genericamente aplicáveis às empresas que praticam negócios no Brasil.
O surto de coronavírus pode ser considerado um evento de força maior sob a lei brasileira?
A principal pergunta que temos respondido aos nossos clientes é se o surto de coronavírus pode ser considerado um caso de força maior e se isso pode ser arguido como excludente de responsabilidade.
Ao contrário de muitas jurisdições estrangeiras, onde a força maior é uma criação contratual, no Direito Brasileiro a força maior está prevista no Código Civil. No entanto, o Código Civil não elenca as hipóteses que se enquadram no conceito de força maior. Considerando que o surto de coronavírus é um evento natural (e imprevisível), cujos efeitos comerciais não são possíveis de evitar ou impedir, é genericamente possível suscitar força maior caso a doença (ou seus efeitos) impeçam ou dificultem o cumprimento de obrigações contratuais. Ainda assim, a análise individual de cada contrato é aconselhada para avaliar a aplicabilidade e a extensão da exclusão ou mitigação de responsabilidade.
Na prática, é comum que os contratos regidos por lei brasileira ou cuja execução ocorra no Brasil contenham cláusulas que definam eventos de força maior e determinem suas consequências. Em regra, os contratos costumam prever que cada parte arcará com os respectivos prejuízos na ocorrência de evento de força maior. Para tanto, a parte impossibilitada de cumprir suas obrigações deve notificar a outra (imediatamente ou dentro de um determinado número de dias) e comprovar adequadamente a existência de força maior.
As partes costumam pactuar que nenhuma penalidade poderá ser imposta e nenhuma reclamação por danos poderá ser feita contra a parte que invocou a cláusula de força maior, a qual acarretará em interrupção do contrato enquanto perdurarem suas causas e consequências. No caso de contratos usuais do setor de O&G, como por exemplo os Contratos de Afretamento, é possível que a empresa contratada faça jus ao pagamento de taxa diferenciada durante o período de interrupção do contrato, a depender da análise caso a caso.
Caso a força maior perdure mais do que o esperado, é comum também haver previsão que permita a rescisão contratual.
As partes também devem considerar os efeitos da declaração de força maior sobre outros contratos. No setor de O&G, é comum que contratos de financiamento de FPSOs e sondas de perfuração incluam referências cruzadas com outros contratos relevantes para a operação da empresa, de modo que a interrupção de um determinado contrato por motivo de força maior pode implicar em em obrigações adicionais perante credores.
Outro aspecto relevante, dado o atual contexto de imprevisibilidade da duração do surto de coronavírus, é a possibilidade de reclamar revisão (hardship) de prazos, preços e quantidades contratadas, entre outras cláusulas comerciais, caso não seja possível configurar força maior. entre outros fatores, é importante avaliar se a alteração nas circunstâncias contratuais originais poderia ter sido prevista quando da celebração do contrato ou se essa alteração tornou impossível a execução do contrato como um todo.
Nesse contexto, é particularmente relevante mencionar os contratos celebrados com a Administração Pública. Não obstante o Direito Brasileiro prever que o interesse público se sobrepõe ao privado, é possível pedir renegociação de contratos com base na alegação de onerosidade excessiva, com vistas ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro da relação contratual. Em todo caso, a legitimidade de tal pleito deve ser avaliada de acordo com os termos do respectivo contrato.
Assim, muito embora o surto de coronavírus possa, em tese, ser considerado como força maior diante das consequências imprevisíveis decorrentes de uma pandemia, somente a análise das circunstâncias do caso concreto podem efetivamente autorizar ou não a utilização desse evento como excludente de responsabilidade ou mesmo causa de revisão contratual ou até rescisão.
Considerações:
• Em que medida o surto de coronavírus impediu ou dificultou o cumprimento de uma obrigação contratual?
• A parte que pretende invocar (ou invocou) força maior expressamente concordou em assumir o risco de um evento de força maior?
• A parte que pretende invocar (ou invocou) força maior deveria ter cumprido sua obrigação antes do surto de coronavírus?
• A parte em desfavor de quem a força maior é invocada cumpriu integralmente a obrigação que lhe cabia em contraprestação à obrigação que se quer deixar de cumprir?
• O atraso resultante do evento de força maior poderá justificar rescisão contratual?
• A declaração de força maior poderá impactar obrigações contraídas perante credores?
• Não sendo possível alegar força maior, é possível pedir revisão do contrato?
Conclusão:
A avaliação da extensão dos impactos do surto de coronavírus nas relações contratuais impõe a análise individualizada dos fatos. Estamos atentos às evoluções de tratamento dos aspectos contratuais e legais decorrentes da pandemia de coronavírus e permanecemos à disposição para analisar os direitos e obrigações relevantes à luz da legislação brasileira.