Governo publica Medida Provisória que altera a tributação dos fundos de investimento exclusivos
Em edição extra do Diário Oficial da União desta segunda-feira, dia 28 de agosto de 2023, foi publicada a já esperada Medida Provisória nº 1.184 (“MP”), que institui a tributação dos fundos exclusivos pelo regime do come-cotas (i.e., tributação antecipada pelo Imposto de Renda que incide duas vezes por ano sobre os rendimentos obtidos com as aplicações).
Desse modo, a tributação dos fundos de investimento exclusivos (sejam eles abertos ou fechados) foi igualada à dos fundos de investimentos comuns (não exclusivos). Os fundos de investimento exclusivos são diferentes dos não exclusivos, em sua essência, pelo fato de que possuem apenas um único cotista ou um grupo restrito deles, o que faz com que sejam voltados principalmente para investidores de alta renda. Nos fundos exclusivos há uma maior liberdade para sua personalização, de modo que ele pode ser ajustado de acordo com as necessidades e objetivos do cotista, tendo uma maior flexibilidade em relação às regras de investimentos.
Como regra geral, a MP prevê que os rendimentos dos fundos exclusivos serão tributados a uma alíquota de 15%. Excepcionalmente, os fundos de curto prazo (de 180 a 360 dias) terão alíquota de 20%. Já o contribuinte que optar por antecipar o recolhimento do imposto para 2023 será tributado a uma alíquota de 10%.
Foram excluídos das novas regras previstas pela MP, ou seja, não ficam sujeitos ao regime de come-cotas:
(i) os Fundos de Investimento em Participações (FIPs);
(ii) os Fundos de Investimento em Ações (FIAs); e
(iii) os Fundos de Investimento em Índice de Mercado (ETFs) - exceto os ETFs de Renda Fixa.
A MP também prevê que eventuais perdas apuradas no momento da amortização, resgate ou alienação de cotas poderão ser compensadas, exclusivamente, com ganhos apurados na distribuição de rendimentos, amortização, resgate ou alienação de cotas do mesmo fundo de investimento ou em outro fundo de investimento administrado pela mesma pessoa jurídica (desde que ele esteja sujeito à mesma regra de tributação).
Uma das principais controvérsias já debatidas e que foi incluída na MP é a previsão da tributação do estoque dos rendimentos existentes antes da sua entrada em vigor (i.e., a sujeição à tributação também dos rendimentos acumulados em anos anteriores ao ano-calendário de 2023).
De acordo com a redação da nova MP, a tributação do estoque será à alíquota de 15% e poderá ser paga em até 24 parcelas a partir de maio de 2024 (acrescidas de juros SELIC). Alternativamente, será possível adotar a alíquota de 10% para tributar o estoque, com recolhimento em 4 parcelas entre 29 de dezembro de 2023 e 29 de março de 2024.
Esse tema é polêmico e já foi discutido no passado, quando, por meio da MP nº 806/2017, também houve uma tentativa de tributar integralmente o estoque. No entanto, essa disposição não foi aprovada à época no Congresso Nacional, não sendo convertida em lei. Além disso, o Projeto de Lei da reforma da tributação da renda (PL nº 2.337, aprovado na Câmara dos Deputados em 2021) prevê a incidência do come-cotas nos fundos exclusivos fechados e com a cobrança de uma alíquota de 6% sobre o estoque. O PL, no entanto, está pendente de análise pelo Senado Federal.
Ao prever a tributação do estoque, o texto da nova MP certamente será questionado pelos contribuintes. Tal previsão fere de maneira direta o princípio constitucional da irretroatividade, que veda a instituição de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes da vigência da lei que os houver instituído ou majorado (artigos 5º, XXXVI e 150, III alínea a).
Vale destacar que a tributação de estoque configura uma discussão similar àquela travada por ocasião da edição da sistemática de tributação de lucros no exterior pela MP nº 2.158-35/01, que pretendia alcançar os lucros que haviam sido apurados no exterior antes da edição da norma. Ao analisar a matéria, o STF decidiu que se tratava de tributação retroativa, considerando inconstitucional esse trecho da norma (tanto na Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI nº 2.588, quanto no Recurso Extraordinário - RE nº 541.090).
Como normalmente os ativos detidos nos fundos de investimento exclusivos podem não ter uma liquidez imediata para arcar com um imposto desse tipo, ou mesmo podem estar desvalorizados, existe uma preocupação de que seja necessária uma liquidação de ativos com perda para pagar o imposto, impactando na estratégia do fundo. Sendo assim, seria relevante por parte dos gestores de tais fundos uma análise mais aprofundada nas carteiras de investimento com o objetivo de reservar caixa ou já mapear os ativos que poderiam ser liquidados com mais facilidade.
Por fim, diante da efetiva publicação da MP, entendemos que uma possível alternativa seria segregar os ativos para uma modalidade de fundo que continue fora do campo de incidência do come-cotas (como os FIAs). Nesse caso, seria possível segregar os investimentos em ações que estão atualmente em um fundo de investimento multimercado (FIM) para um FIA ou pelo menos adaptar o regulamento para criar classes distintas, o que é permitido pela MP.
Uma outra possibilidade a ser pensada são os fundos de previdência.
De toda forma, é necessário que se faça uma avaliação individual do patrimônio de cada investidor, bem como dos seus objetivos patrimoniais e sucessórios antes de se tomar qualquer decisão, até mesmo porque os fundos exclusivos, ainda que passem a se sujeitar ao regime do come-cotas, guardam vantagens (tais como a possibilidade de compensação de perda em operações com ativos de naturezas diferentes, governança, acesso a investimentos mais exclusivos) que, a depender da situação, podem ser consideradas relevantes.
Apesar de a MP já estar em vigor a partir de sua publicação e produzindo efeitos imediatos em relação à opção pela antecipação do pagamento do Imposto de Renda com desconto (à alíquota de 10%) este ano, para os demais dispositivos ela só tem eficácia a partir de 2024. Além disso, o seu texto ainda precisa ser apreciado pelo Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) para ser convertido definitivamente em lei ordinária dentro de um prazo de 60 dias, que pode ser prorrogado automaticamente por igual período, caso não tenha sua votação concluída em ambas as casas.
A equipe de Planejamento Patrimonial e Sucessório está à disposição em caso de dúvidas.