MP 1.171 amplia a faixa de isenção da tabela progressiva mensal do IRPF e altera a sistemática de tributação de rendimentos e capital no exterior para pessoas físicas
No último domingo, 30 de abril de 2023, o Governo Federal publicou a Medida Provisória nº 1.171 (“MP”), que, além de ampliar a faixa de isenção da tabela progressiva mensal do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (“IRPF”), alterou a sistemática de tributação por pessoas físicas sobre rendimentos e capital no exterior nas seguintes modalidades: aplicações financeiras, entidades controladas (“Offshores”) e Trusts no exterior, conforme resumido adiante.
É de se destacar que a Presidência da República ainda não publicou a exposição de motivos da MP, mas foi divulgada nota à imprensa através do site do Ministério da Fazenda, no sentido de que as medidas da MP seriam recomendadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”).
Paralelamente, a nota informa que se estima uma redução de receitas em 2023 da ordem de R$ 3,20 bilhões (referente a 7 meses), em 2024 de R$ 5,88 bilhões e em 2025 de R$ 6,27 bilhões em relação à atualização dos valores da tabela mensal do IRPF, ao passo que as medidas que instituem novas regras anti-diferimento e a tributação de investimentos no exterior têm potencial de arrecadação da ordem de R$ 3,25 bilhões para o ano de 2023, próximo a R$ 3,59 bilhões para o ano de 2024 e de R$ 6,75 bilhões para o ano de 2025.
A nosso ver, em que pese a indicação de alinhamento internacional, o foco das medidas representa, em grande parte, caráter arrecadatório para compensar a redução de receitas gerada pela ampliação da faixa de isenção da tabela progressiva mensal do IRPF, conforme sinalizado ao longo da campanha eleitoral no ano de 2022 e nos primeiros meses de 2023, após a posse do atual Governo.
Vale mencionar que no passado outras medidas prevendo introduzir regra de anti-diferimento já foram rejeitadas pelo Congresso, a exemplo da Medida Provisória nº 627/2013. Além disso, o Projeto de Lei nº 2.337/2021 (um dos projetos de reforma tributária sobre a renda em tramitação no Congresso) já previa a elevação da faixa de isenção do IRRF de R$ 1.903,98 para R$ 2.500,00 mensais, bem como institui regras anti-diferimento para as pessoas físicas, tal qual a MP propõe, dentre outras medidas. A crítica que se faz é a veiculação da matéria via MP, sendo questionáveis os pontos da relevância e urgência no atual momento e diminuindo o peso da participação do Congresso Nacional nos debates.
Embora o Governo tenha competência para alterar determinados pontos da legislação tributária como parte da política fiscal que pretende implementar, tecnicamente algumas escolhas são questionáveis e podem levar a discussões no judiciário. Um exemplo é a própria tributação automática dos lucros das controladas, sem que haja efetiva distribuição, sobretudo naqueles casos em que a controlada estiver domiciliada em país que tenha celebrado acordo contra dupla tributação com o Brasil. Outro ponto extremamente controverso é a tributação de variação cambial.
Nesse contexto, aguarda-se agora a tramitação da MP no Congresso Nacional. Vejamos os principais pontos de atenção.
Aplicações financeiras
- Caso a MP seja convertida em lei, a partir de 1º de janeiro de 2024 os rendimentos decorrentes de aplicações financeiras passarão a ser tributados de forma separada dos demais rendimentos e dos ganhos de capital, sem a possibilidade de deduções, no período de apuração em que forem efetivamente percebidos, conforme as seguintes alíquotas:

- A título comparativo, atualmente os rendimentos são tributados às alíquotas de 0% a 27,5%, se somando a outros rendimentos auferidos no Brasil, enquanto os ganhos são tributados a alíquotas de 15% a 22,5%, sendo que a alíquota de 15% se aplica a ganhos de até R$ 5.000.000,00.
- Vale destacar também que atualmente as alienações em montante de até R$ 35.000,00 são isentas, o que deixaria de se aplicar às aplicações financeiras após a edição da MP.
- Consideram-se rendimentos a remuneração produzida pelas aplicações financeiras, incluindo, exemplificativamente, variação cambial da moeda estrangeira frente à moeda nacional, juros, prêmios, comissões, ágio, deságio, participações nos lucros, dividendos e ganhos em negociações no mercado secundário, incluindo ganhos na venda de ações das entidades não controladas em bolsa de valores no exterior.
- Entendemos que a MP possui alguns pontos questionáveis relacionados à nova sistemática proposta, a exemplo da tributação da mera variação cambial de saldo de depósitos bancários no exterior.
Controladas no exterior
- Segunda alteração relevante se refere à tributação automática dos lucros apurados por controladas no exterior (conceito que abrange as chamadas Offshores, bem como foundations e fundos de natureza similar) que (i) estejam localizadas em país ou dependência com tributação favorecida ou sejam beneficiárias de regime fiscal privilegiado; ou (ii) cuja receita de renda passiva seja superior a 20% da receita bruta total.
- Essas entidades controladas no exterior são comumente utilizadas para acessar investimentos no mercado internacional, além de proporcionar proteção patrimonial contra riscos econômicos, políticos e cambiais. Paralelamente, essas estruturas poderiam gerar a redução da carga tributária e o diferimento da incidência do IRRF, que, a nosso ver, é grande parte da motivação do Governo na edição da MP.
- Consideram-se receitas passivas as referentes a: royalties, juros, dividendos, participações societárias, alugueis, ganhos de capital (exceto decorrentes de participações societárias ou ativos de caráter permanente, adquiridos há mais de dois anos), aplicações financeiras e intermediação financeira.
- Os lucros apurados a partir de 1º de janeiro de 2024 são tributados em 31 de dezembro de cada ano (independentemente de qualquer deliberação acerca da sua efetiva distribuição), aplicando-se as mesmas alíquotas acima referidas.
- Os lucros apurados até 31 de dezembro de 2023 serão tributados apenas no momento da efetiva disponibilização.
- O lucro considerado distribuído poderá ser somado ao custo de aquisição da controlada para fins de apuração de futuro ganho de capital.
- Com relação à sistemática proposta para tributar as Offshores, entendemos igualmente que há diversos pontos questionáveis ao se pretender a tributação automática para pessoa física, inclusive em relação à compatibilidade com o art. 43 do Código Tributário Nacional (CTN), em seu art. 43, que estabelece que o IRRF depende da disponibilidade econômica sobre a renda, em especial naquelas situações em que a empresa no exterior está domiciliada em um país que tenha celebrado tratado contra dupla tributação com o Brasil.
Bens e direitos objetos de Trust
Como regra, o Trust é um desdobramento da propriedade que se opera pelo instituidor (“Settlor”) que confia bens e direitos a outrem (“Trustee”) com finalidade de beneficiar terceiros ou o próprio Settlor (pela transferência da propriedade ou pagamento de rendimentos).
- De acordo com a MP, os bens e direitos objeto de Trust passam a ser considerados, para fins fiscais, de titularidade do instituidor (Settlor) até a sua distribuição ao beneficiário ou falecimento do Settlor, quando serão tratados, juridicamente, como transmissão (doação) ou causa mortis, se decorrente do falecimento do Settlor.
- Ainda, os bens e direitos serão tributados como detidos diretamente pelo instituidor de acordo com sua natureza (aplicação financeira, controlada no exterior etc.), aplicando-se as regras de tributação do investimento nos termos descritos acima.
- Entendemos que a sistemática proposta para o trusts também se revela questionável, na medida em que impõe ao settlor ou beneficiário a tributação das atividades do trust, tendo em vista que em regra eles não possuem disponibilidade jurídica ou econômica dos bens sob administração do trustee.
Atualização do valor dos bens e direitos no exterior
- Por fim, uma novidade trazida pela MP foi a possibilidade de atualização do valor dos bens e direitos constantes na Declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física pelo valor de mercado em 31 de dezembro de 2022, sujeito em contrapartida à tributação do ganho da diferença para o custo de aquisição à alíquota definitiva de 10%, que deverá ser recolhido até 30 de novembro de 2023.
- No caso de controladas no exterior, poderão ter seu valor atualizado até 31 de dezembro de 2023, tributando-se o ganho também a 10% (a ser recolhido até 31 de maio de 2024). Chamamos a atenção particularmente para esse ponto, pois na hipótese de conversão da MP essa opção poderá representar uma vantagem (uma vez que a partir daí o ganho/lucro ficaria sujeito à alíquota de até 22,5%).
- A princípio essa opção entra em vigor imediatamente, restando pendente apenas a regulamentação pela Receita Federal do Brasil para dispor sobre prazos e outros aspectos práticos para operacionalização.
Revogações
Por fim, a MP revoga dois dispositivos relevantes:
- o primeiro deles é o que isentava ganhos auferidos na alienação, liquidação ou resgate de bens localizados no exterior, inclusive aplicações financeiras, adquiridos na condição de não-residente; e
- além disso, foi revogado o dispositivo que impedia a tributação da variação cambial na alienação de bens adquiridos originariamente em moeda estrangeira.
A equipe de Direito Tributário está à disposição em caso de dúvidas.