Publicado o Decreto de Relicitações
Pouco mais de dois anos atrás editou-se a Lei nº 13.448, que estabeleceu parâmetros para a prorrogação e relicitação de contratos de parceria nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário da administração pública federal inseridos dentro do Programa de Parcerias de Investimentos – PPI, e dentre os quais incluem-se a concessão comum, a concessão patrocinada, a concessão administrativa, a concessão regida por legislação setorial, a permissão de serviço público, o arrendamento de bem público, a concessão de direito real e os outros negócios público-privados ou, ainda, outros instrumentos que adotem estrutura assemelhada.
Muito embora a Lei nº 13.448 já tenha trazido boa parte do regramento atinente aos procedimentos de prorrogação, prorrogação antecipada e relicitação, ela expressamente previu a edição de ato regulamentar especificamente para este último procedimento, consistente na extinção amigável do contrato e a celebração de novo ajuste, em novas condições contratuais e com novos contratados, o que resultou na recente publicação do Decreto nº 9.957, de 7.8.19, que complementou a regulamentação da relicitação nos contratos administrativos antes citados.
Levando em consideração eventual incapacidade financeira do contratado para cumprir as obrigações contratualmente assumidas, principalmente aquelas de caráter financeiro, e tendo em vista, ainda, as disposições da Lei nº 8.987/95 segundo as quais somente se considera serviço adequado aquele que, cumulativamente, atenda condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas, imaginou-se uma alternativa inovadora de “devolução coordenada e negociada” da concessão, evitando-se o moroso processo de caducidade, nos quais o usuário, na maioria dos casos, é o maior prejudicado pela má prestação dos serviços durante até a solução final do conflito.
A regulamentação do procedimento de relicitação foi feita em 14 artigos, nos quais identificamos alguns de maior relevância que serão destacados adiante para fins informativos.
O primeiro deles diz respeito à delegação, para a Agência Reguladora setorial, da prerrogativa de avaliar e aprovar, inicialmente, o requerimento de relicitação para posterior submissão ao Ministério da Infraestrutura e do Conselho do PPI (art. 4º), sendo certo que, havendo deliberação favorável à relicitação, deverão ser suspensas eventuais medidas tendentes à declaração de caducidade do contrato e até mesmo processos que estejam tratando do tema a caducidade da concessão.
Outro tema de relevo tratado no Decreto é aquele concernente à indenização devida ao parceiro privado em razão indenização pelos bens reversíveis não amortizados ou depreciados. Quanto a isso, duas são as introduções que chamam atenção, sendo a primeira delas a previsão de que o valor da indenização terá de, obrigatoriamente ser atestado por empresa de auditoria independente (art. 11, §3º), o que certamente abreviará em muito os debates entre o parceiro privado e o Poder Público e ainda soluciona a questão da falta de pessoal técnico especializado na estrutura da Administração para realização de tarefas não tão usuais, enquanto que a segunda engloba a possibilidade de a indenização ser paga pelo futuro contratado, sendo necessário, para tanto, que tal obrigação conste do Edital de licitação.
Ainda na questão relativa à indenização, o art. 11 afasta os frequentes questionamentos sobre a possibilidade de a Administração Pública descontar do valor da indenização os créditos que possui relacionados a (i) multas devidas pelo contratado, (ii) parcelas inadimplidas de outorga e, (iii) excedentes da receita tarifária decorrente, por exemplo, da não contabilização do impacto econômico-financeiro da suspensão das obrigações de investimentos.
Naquele que talvez seja o tema mais tormentoso quando se trata de encerramento de contratos de concessão ou assemelhados, o Decreto parece ter tido a preocupação de emprestar maior transparência para os parceiros privados, especificando que apenas os investimentos em serviços essenciais são englobados no cálculo da indenização, considerando-se como tais, via de regra, aqueles relacionados à manutenção, conservação e operação do empreendimento.
Outro tema de considerável importância para o parceiro privado é a consequência da desqualificação do processo no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos – PPI. Se, de um lado, a sua inclusão faz suspender a adoção de medidas relacionados à declaração de caducidade, incluindo-se aí a tramitação de processos instaurados para tal fim, de outro a exclusão do contrato do PPI acarretará não apenas a retomada das ações suspensas, mas também o restabelecimento automático dos encargos e obrigações.
Consequência importante que deve ser medida pelos parceiros privados que busquem o caminho da relicitação é a proibição para que eles próprios, além de seus acionistas principais possam participar do novo certame.
Para além disso, até a extinção do contrato de parceria o parceiro privado não distribuir dividendos ou juros sobre capital próprio, bem como realizar operações que configurem remuneração dos acionistas. Não poderá, também, reduzir o seu capital social e oferecer novas garantias em favor de terceiros.
Desse modo, a observação inicial que se pode registrar é a de que, conquanto o Decreto nº 9.957 possa viabilizar a rescisão amigável de contratos administrativos que estejam fadados ao insucesso pela incompatibilidade dos termos estipulados no momento de sua celebração com a realidade atual, ele traz consigo restrições que precisam ser muito bem sopesadas antes da tomada de decisão.
A equipe de Infraestrutura & Projetos do Vieira Rezende fica à disposição para maiores esclarecimentos sobre o assunto.