Mudança legislação IR: tributação mínima de pessoa física e possibilidade de tributação de dividendos (inclusive estoque acumulado)
No dia 1º de outubro de 2025, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 1.087/2025 (“PL”), que promove mudanças relevantes na legislação do Imposto de Renda. A proposta segue agora para análise no Senado Federal e, se aprovada sem alterações, será encaminhada à sanção presidencial. Caso seja definitivamente convertida em lei, as novas regras entrarão em vigor a partir de 2026.
O PL tem dois objetivos centrais: reduzir a carga do Imposto de Renda para trabalhadores e contribuintes de renda baixa e média (até R$ 5 mil mensais), tanto no cálculo mensal quanto no ajuste anual, e instituir uma tributação mínima aplicável a pessoas físicas de alta renda, em especial àquelas que recebem lucros e dividendos.
Nosso time preparou abaixo um resumo explicativo das principais regras previstas na versão aprovada pela Câmara dos Deputados, com foco nos dispositivos que impactam diretamente a tributação a partir de 2026.
IRRF sobre lucros e dividendos distribuídos
A partir de 2026, lucros e dividendos pagos a pessoas físicas em montante superior a R$ 50 mil por mês passam a ser tributados em 10% pelo Imposto de Renda Retido na Fonte (“IRRF”). Se houver mais de um pagamento no mês pela mesma fonte, a retenção é recalculada considerando o total mensal; não há deduções nessa base.
Para os residentes no Brasil, o IRRF sobre lucros e dividendos funciona como antecipação, podendo ser compensado no cálculo do ajuste anual e, se o valor retido ao longo do ano superar o imposto efetivamente devido, gerará direito a restituição pela declaração, como ocorre com os demais rendimentos sujeitos a retenção.
No caso de beneficiários não residentes, os lucros e dividendos distribuídos ficam sujeitos à retenção de 10% na fonte independentemente do valor distribuído. Nessa situação, o IRRF não será compensável nem restituível no Brasil. Contudo, o projeto prevê um mecanismo de crédito opcional para não residentes, que poderá ser pleiteado quando a soma da carga já paga pela pessoa jurídica, acrescida do imposto na fonte, ultrapassar a soma das alíquotas nominais do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (“IRPJ”) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”).
No PL, há uma regra de transição que deixa fora da incidência do IRRF sobre os lucros e dividendos relativos a resultados apurados até 2025, desde que o pagamento, crédito, emprego ou entrega ocorra nos anos-calendário de 2026, 2027 e 2028 e observe os termos previstos no ato de aprovação realizado até 31 de dezembro de 2025.
Esse dispositivo é especialmente relevante para sociedades limitadas, em que a distribuição de lucros pode ser deliberada diretamente pelos sócios, normalmente por meio de alteração contratual ou ata de reunião de sócios. Nesses casos, a data da deliberação registrada é o marco que assegura a manutenção da isenção.
Já para as sociedades anônimas, aplica-se a regra própria do art. 205 da Lei das S/A, que exige a deliberação e o pagamento dos dividendos dentro do mesmo exercício social, ao menos para aqueles baseados em reservas de lucros. Por isso, diferentemente das sociedades limitadas, a regra de transição do PL não pode ser aplicada de forma ampla às sociedades anônimas.
Para as sociedades que possuem lucros acumulados não distribuídos, recomendamos fortemente avaliar alternativas para mitigar os efeitos da nova legislação.
Incidência do IRPFM sobre rendas anuais
O PL institui o Imposto de Renda da Pessoa Física Mínimo ("IRPFM"), aplicável a contribuintes cuja soma de rendimentos no ano-calendário ultrapasse R$ 600.000,00.
A base de cálculo do IRPFM inclui rendimentos que normalmente estariam sujeitos à tributação exclusiva ou definitiva e até mesmo alguns rendimentos isentos ou com alíquota zero.
Ficam fora, entretanto, determinados rendimentos que a legislação preserva da incidência, como, por exemplo, ganhos de capital (salvo os obtidos em operações de bolsa e mercado organizado), rendimentos de cadernetas de poupança e de títulos de crédito imobiliário ou do agronegócio, debêntures incentivadas de infraestrutura, rendimentos de Fundos de Investimento Imobiliário (“FII”) e Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas do Agro Negócios (“Fiagro”) com pelo menos 100 cotistas, bem como indenizações isentas previstas em lei.
No caso do IRPFM, a alíquota é progressiva e só passa a ser exigida quando a soma dos rendimentos anuais ultrapassa R$ 600.000,00. Até esse valor, a alíquota aplicável é de 0%. Entre R$ 600.000,01 e R$ 1.200.000,00, a alíquota aumenta de forma linear até atingir 10%. Essa progressão de alíquotas segue a seguinte lógica: a cada R$ 60.000,00 adicionais de rendimento dentro dessa faixa, a alíquota sobe em 1 ponto percentual. Assim, quem auferir R$ 660.000,00 no ano aplicará 1%; quem auferir R$ 900.000,00 aplicará 5%; e quem auferir R$ 1.140.000,00 aplicará 9%. Ao atingir R$ 1.200.000,00, a alíquota máxima de 10% se consolida e permanece fixa para qualquer valor superior.
Uma vez apurado o imposto devido pela aplicação da alíquota progressiva, o valor pode ser ajustado pelas deduções admitidas. Podem ser descontados o imposto de renda pago na declaração de ajuste, o imposto retido na fonte de 10% sobre dividendos no caso de contribuintes residentes, o imposto exclusivo ou definitivo já recolhido sobre rendimentos que compõem a base e ainda o IRPF incidente sobre rendimentos de ativos localizados no exterior.
Redutor do IRPFM apurado
Além das deduções acima mencionados, o projeto cria o redutor do IRPFM. Esse mecanismo funcionará como um limitador da carga tributária combinada entre a pessoa jurídica e a pessoa física. Para aplicá-lo, primeiro se calcula a alíquota efetiva da empresa, que corresponde à proporção entre o lucro contábil e o valor de IRPJ e CSLL devidos, admitindo-se inclusive demonstrações financeiras consolidadas no caso de holdings. Em seguida, calcula-se a alíquota efetiva da pessoa física, que é obtida verificando quanto o IRPFM devido aumentou, antes da aplicação do redutor, quando os dividendos foram incluídos na base de cálculo, e dividindo esse acréscimo pelo total dos dividendos recebidos.
As duas alíquotas efetivas são então somadas e comparadas ao limite fixado em lei - 34% para empresas em geral, 40% para seguradoras e sociedades de capitalização e 45% para instituições financeiras. Se a soma ultrapassar o limite, o excedente é convertido em redutor e abatido do IRPFM, garantindo que a tributação conjunta sobre os mesmos lucros nunca supere os percentuais máximos estabelecidos.
O projeto também conecta o Programa Universidade para Todos (Prouni) ao sistema do IRPFM. As bolsas concedidas no âmbito do programa passam a ser consideradas como forma de cumprimento parcial da carga tributária da instituição de ensino que as oferta, funcionando como “imposto pago” para fins de cálculo do redutor. Na prática, o valor correspondente às bolsas integra o somatório da carga efetiva da pessoa jurídica e, ao reduzir a tributação no nível societário, impacta diretamente o cálculo do redutor aplicado na pessoa física que recebe dividendos dessa entidade.
O informe foi produzido por Michel Siqueira Batista e Caio Malpighi, sócio e associado das áreas de Planejamento Patrimonial & Sucessório e Tributário & Aduaneiro, que estão à par do tema e à disposição para esclarecer dúvidas e avaliar cenários.